quinta-feira

Through all kinds of weather

"O mundo é tão vasto, tão complicado, tão repleto de maravilhas e surpresas que a maioria das pessoas leva alguns anos para começar a perceber que é também irremediavelmente quebrado. A esse período de pesquisa chamamos “infância”.

Segue-se um programa de investigação reiterada, quase sempre involuntária, sobre a natureza e os efeitos de mortalidade, entropia, coração partido, violência, fracasso, covardia, hipocrisia, crueldade e sofrimento, cujas histórias e amargas lições o pesquisador aprende de cor. Ao longo do caminho, ele ou ela vai descobrindo que o mundo está quebrado até onde alcança a memória de qualquer um, e luta para conciliar tal fato com a pontada de nostalgia cósmica que, de tempos em tempos, agita-se em seu coração: uma sugestão de glória extinta, de inteireza perdida, uma memória do mundo antes de se quebrar. Ao momento em que essa pontada se manifesta pela primeira vez chamamos “adolescência”. O sentimento assombra as pessoas pelo resto da vida.

Todo mundo, cedo ou tarde, é submetido ao aprendizado da quebra. A questão passa a ser então: o que fazer com os pedaços? Há quem se abanque em sua pilha local de escombros e toque a vida assim mesmo, beduínos criando suas cabras à sombra de gigantes em ruínas. Outros se põem a quebrar o que resta do mundo em cacos cada vez menores e mais cortantes, chutando pilhas de destroços como crianças a correr entre montes de folhas secas. E algumas pessoas, passando entre os pedaços dispersos desse grande quebra-cabeça em desalinho, começam a colher uma peça aqui e outra ali, com uma ideia vaga, mas irresistível, de que algo talvez possa ser feito para colar aquilo de novo.

Esse plano apresenta de imediato duas dificuldades. Em primeiro lugar, jamais tivemos mais do que um vislumbre, através de pálpebras semicerradas, da gravura na tampa da caixa do quebra-cabeça. Além disso, por mais diligentes que sejamos na coleta de peças em nosso caminho, nunca juntaremos nem perto do suficiente para terminar o trabalho. O máximo que podemos ter esperança de lograr com nosso punhado de cacos resgatados – a safra agridoce da observação e da experiência – é construir um pequeno mundo só nosso. Uma maquete daquele misterioso original não quebrado que mal recordamos. É claro que os mundos que construímos com nosso estoque de fragmentos não têm como passar de aproximações parciais e imprecisas. Como representações da plenitude perdida que nos assombra, só podem ser fracassos previsíveis. Em seu próprio fracasso, porém, em suas falhas e imprecisões, talvez ainda sejam mapas fiéis, maquetes acuradas deste mundo belo e partido. A essas maquetes chamamos “obras de arte”."


Ligação partilhada pela Revista Ellenismos
Artigo Original no The New York Review of Books

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