"E Frédéric alegrava-se ao ouvir estas coisas, como se tivesse feito uma descoberta, uma aquisição."
Conselho de Maxime Du Camp que não foi seguido: «Suprime esta última palavra que não é adequada e tira força à anterior»
"Não falou nela, inibido por um pudor"
Observação de Maxime Du Camp que Flaubert não acatou: «O que é um pudor? Por que não dois ou três pudores? O pudor é um só ou então tem de ser qualificado»
"Tinha parado no meio do Pont-Neuf, e, sem chapéu, de peito aberto, aspirava o ar."
Observação de Maxime Du Camp que Flaubert não corrigiu: «Tu querias dizer descoberto: aberto ultrapassa o teu objectivo e cria uma imagem impossível.»
"No relógio de uma igreja, soou uma badalada, lentamente, semelhante a uma voz que o tivesse chamado."
Observação de Maxime Du Camp que Flaubert não corrigiu: «Isto é uma brincadeira: como queres que uma badalada soe lentamente? Duas ou três, ainda vá!» Du Camp não supôs que Flaubert quisesse falar de uma hora qualquer e não da primeira hora da manhã.
"Mostrou-lhe a arte de reconhecer os vinhos, de queimar o ponche, de fazer guisado de galinholas;"
Flaubert tinha escrito inicialmente: «Mostrou-lhe como reconhecer», etc., mas teve em conta a seguinte observação de Maxime Du Camp: «belo erro de francês! Deve ser: mostrou-lhe como se reconhece, ou ensinou-lhe a reconhecer.»
"Às vezes sorria, fixando nele os olhos, um minuto."
Inicialmente Flaubert tinha escrito «fixando-o», mas depois teve em conta a observação de Maxime Du Camp: «Fixá-lo não é francês. Fixam-se os olhos em. Tira isso, vais refilar mas é inadmissível.»
"Se bem que tivesse botas extra-envernizadas, tinha as suíças rapadas, para ficar com uma testa de pensador."
Observação de Maxime Du Camp que Flaubert não acatou: »Qual a relação entre ter botas envernizadas e suíças rapadas? Então por que usar se bem que?»
WTF. Este post andou comigo meses e meses enquanto lia o livro. Ia ser genial. Deu-me mais trabalho que todos os outros. Foi ao lápis azul e voltou mais pequeno, mas continuou ali nos rascunhos à espera do dia certo. Hoje em dia acho-o uma merda. Decidi postá-lo para me libertar da desilusão.
7 comentários:
olha, acho muito bom. QSF.
Ainda que te pareça uma merda, foi uma merda que gostei de ler.
Obrigada por partilhares estas coisas.
Gosto muito deste "post". E é muito revelador - ainda não decidi se da estupidez do tradutor que não compreende o génio, ou se de como é sempre possível um leitor atento e culto fazer sugestões que aperfeiçoem a obra genial. Neste caso, dos dois: o tradutor mostra um misto de perspicácia, por vezes, e de incompreensão muitas outras vezes. É atrevido ou corajoso?
Também gostei. Se serve de consolo: este é um dos meus blogues favoritos.
Não é bem merda, é "perdeu-se o factor surpresa". Adorei ler estas notas do tradutor sobre a Maxime Du Camp (que não faço ideia quem seja mas existe o google) mas achei que perderam emoção ao serem todas passadas para uma folha e serem lidas de uma vez só. Obrigada e QSF ;)
Adorei ler cada uma das notas do oportunista Du Camp, amigo fajuto de Flaubert que Mario Vargas Llosa no livro La Orgía Perpetua não perdoa a vaidade e o ciúme que ele nutria pelo talento inconteste de Flaubert. Sorte a nossa que Flaubert recusou grande parte das emendas sugeridas por Du Camp, que após a morte do amigo teve a cara de pau de dizer que a genialidade literária de Flaubert devia em muito as suas sugestões. Beatrix continue a nos surpreender com muitas merdas.
hehe obrigada Rogério, valeu :)
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