terça-feira

Temos de deixar os outros supor que sabemos o que estamos a fazer

"No meu ver, o mundo está a desmoronar-se. No estado em que as coisas estão, não é necessário muita inteligência para um gajo se safar. Pelo contrário, quanto menos inteligência tiver, melhor. As coisas estão de tal maneira que nos entregam tudo de bandeja. Basta saber fazer uma coisita razoavelmente: um tipo filia-se num sindicato, trabalha o menos possível e quando chega a idade da reforma recebe uma pensão. Quem tem inclinações estéticas não aguenta a estúpida rotina, ano após ano. A arte torna as pessoas desassossegadas, descontentes. Como o nosso sistema industrial não se pode dar ao luxo de permitir que isso aconteça, oferece-nos pequenos substitutos apaziguadores, para nos esquecermos que somos seres humanos. Em breve não haverá arte nenhuma, sou eu que lhes digo. Terá de se pagar ás pessoas para irem a um museu ou a um concerto. Não digo que continue sempre assim. Não. Quando eles tiverem tudo bem alinhadinho, tudo a deslizar como azeite, sem ninguém a abrir o bico, descontente ou desassossegado, quando isso acontecer, pumba!, a coisa cai. O homem não nasceu para ser uma máquina. O engraçado em todos estes sistemas utópicos de governo é que estão sempre a prometer libertar o homem - mas primeiro tentam fazê-lo funcionar como um relógio de corda para oito dias. Pedem ao indivíduo que se torne escravo a fim de conquistar a liberdade para a espécie humana. É uma lógica singular. Não digo que o presente sistema seja melhor. Na realidade, seria difícil imaginar algo pior do que temos agora. Mas sei que não o melhoraremos desistindo dos poucos direitos que temos já. Não me parece que precisemos de mais direitos: do que precisamos é de ideias maiores. Jesus, apetece-me vomitar quando vejo o que advogados e juízes tentam preservar! A lei não tem qualquer relação com as necessidades humanas; é um negócio dirigido por um sindicato de parasitas. Abram um livro de Direito e leiam uma passagem (em qualquer lado) em voz alta. Parecerá loucura a quem estiver no seu perfeito juízo. É loucura, com a breca, eu sei! Mas, meu Deus, se começo a pôr em dúvida a lei tenho de pôr em dúvida outras coisas, também. Ficaria maluco se encarasse as coisas com olhos lúcidos. É impossível, se não queremos desafinar. Temos de semicerrar os olhos à medida que avançamos, temos de deixar os outros supor que sabemos o que estamos a fazer. Mas ninguém sabe o que está a fazer! Não nos levantamos de manhã e pensamos o que vamos fazer. Não, senhor! Levantamo-nos atordoados, e arrastamo-nos por um túnel escuro, com uma «ressaca». Entramos no jogo. Sabemos que é uma imunda falsificação, uma batota pegada, mas não temos outro remédio senão sujeitar-nos; não há por onde escolher. Nascemos numa certa organização para a qual estamos condicionados: podemos pôr-lhe uns remendozitos aqui e ali, como a um barco com um rombo, mas não podemos refazer tudo do princípio: não há tempo para isso, temos de chegar ao porto - ou supomos que temos. Claro que nunca lá chegaremos. O barco afundar-se-á primeiro, acreditem..."


1 comentário:

josé luís disse...

rabd!

(miller and the seven dwarfs... how perverse can you get, kiddo?)
;)