segunda-feira

Henry Miller knows two kinds of readers

1
"Tirando o meu amigo Roy Hamilton, não conhecia ninguém que fosse capaz de extrair mais de um livro. Eviscerava, literalmente, o texto. Roy Hamilton avançava milímetro a milímetro, por assim dizer, demorando-se dias ou até semanas numa frase. Às vezes levava um ano ou dois para acabar de ler um pequeno livro, mas quando acabava, parecia que acrescentara um cúbito à sua estatura. Meia dúzia de bons livros chegavam para lhe fornecer alimento espiritual suficiente para o resto da vida. Para ele, os pensamentos eram coisas vivas, como para Louis Lambert. Depois de ler minuciosamente um livro, dava a impressão de conhecer todos os livros. Pensava e vivia através da leitura de um livro, da qual emergia como um ser novo e glorificado. Era precisamente o oposto do erudito cuja estatura diminui a cada livro que lê."


2
"Arthur Raymond, pelo contrário, dava a impressão de devorar o conteúdo de um livro. Lia com atenção muscular - ou assim me parecia, ao observar os efeitos nele produzidos. Lia como uma esponja, empenhado em absorver os pensamentos do escritor. A sua única preocupação consistia em ingerir, assimilar,redistribuir. Era um vândalo. Cada novo livro representava uma nova conquista, os livros fortaleciam o seu ego. Não crescia: inchava de orgulho e arrogância. Procurava corroborações, para poder avançar e dar batalha. Não permitia que o vencessem. Podia prestar tributo ao autor que admirava, mas era incapaz de dobrar o joelho. Permanecia obstinado e inflexível, a sua carapaça tornava-se cada vez mais grossa.
    Pertencia àquele tipo de pessoas que, depois de lerem um livro, não são capazes de falar de outra coisa durante semanas. Fosse a que fosse que se aludisse ao conversar com ele, estabelecia sempre uma relação com o livro que acabava de devorar. O curioso nestas «ressacas» era que, quanto mais ele falava do livro, mais se sentia o seu desejo inconsciente de o destruir. Parecia-me sempre que, no fundo, se sentia deveras envergonhado por ter consentido que outro espírito fascinasse o seu. As suas palavras não eram acerca do livro e, sim, do modo completo e penetrante como ele, Arthur Raymond, o compreendera. Era inútil esperar que nos desse um resumo da obra. Esclarecia-nos apenas acerca do assunto, e mesmo assim só o suficiente para acompanharmos inteligentemente a sua análise e as suas deduções. Embora não se cansasse de repetir: «Deves lê-lo, é maravilhoso», o que queria realmente dizer era: «Acredita que é uma obra importante, sou eu que to digo. Se assim não fosse, não perderia o meu tempo a discuti-la contigo.» E as suas palavras implicavam, além disso, ser uma sorte não a termos lido ainda, pois só por nós não seríamos capazes de descobrir as pérolas que ele, Arthur Raymond, descobrira. «Quando acabar de te contar a história», parecia dizer, «não precisarás de a ler. Sei não apenas o que o autor disse, mas também o que pretendia dizer e não disse.»"


4 comentários:

josé luís disse...

a propósito, kiddo

http://poediapoedia.blogspot.com/2011/12/uma-fabula-da-leitura-so-ha-tres-tipos.html

;)

Beatrix Kiddo disse...

nem de propósito, por acaso foi de propósito

fiz este post na altura que andava a ler o Miller mas não gostei e deixei-o estar nos rascunhos. Depois vi o teu e lembrei-me deste meu aqui esquecido e abandonado e decidi publicar.

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josé luís disse...

;)

Anónimo disse...

muito bom