quarta-feira

Olhares...de esguelha

Depois do cair da noite e de um apressado jantar, um justo filme - uma ida ao cinema local - para acalmar as intempéries diárias. Sem dúvida um belo western, Eastwood, Valance, Wayne. Caos, risos, honra, solidão. Algo melhor para iniciar a noite? Refiro-me "à noite" não uma noite.
    Saímos de cena cambaleantes. Esporas tilintam e a imaginação faz criação justa e própria. Rédea solta! Enfrentemos a besta!
   Uma ida a um "saloon" não seria nada mau...Com música. Blues. Jazz. Venha boa música que contorça a espinha. Flutuemos então pelo denso nevoeiro de fumo de charuto com nosso ideais ébrios! Danço se for preciso. Canto. Ajudo o impulso da música. Como recompensa o espírito desperto e as portas da noite abertas a um western implacável e imperial. Pelos velhos e tão modernos paralelos caminham esguios, compostos transeuntes, de máscara em riste. Verdadeiros homens amarram as suas damas em tom nobre senhorial a pender para o masoquismo. A escravidão pedem elas. 
   Assisto a tudo isto escorregando trôpego e eléctrico nas calçadas ainda húmidas do orvalho recém-nascido.
   Odores serenos e animadores de álcool. Voláteis atracções de corpos e sempre cuspo em que escorregar. Ao virar da esquina.
Os vilões - 
    Bando de rufias surge do fundo da noite em grande aparato. Risos sádicos de crime orgulho. Blusão negro de cabedal segurando discretamente o ponta-e-mola (brinquedo escolhido). Agora malabarismos, exibicionismo. Falas para o ar chamam a si o sacrilégio. Estilo. Os Pausados. Modelos de passerelle dos quais Valance ou os irmãos Dalton (?) se orgulhariam. Olhares...de esguelha, cruzam-se a metros de distância perfurando o azul veludo do cenário nocturno. A achega. O toque. O ataque. Empurrões. Quase caos...até que saco da mais bela e poderosa de todas as armas...a garrafa. Dou uma golada, sério. Momentos sólidos de silêncio e tensão. Atiro um riso infantil para cima da armada insultuosa que me enfrenta e estendendo-lhes esta esplendorosa e milagreira arma secreta faço os meus primeiros amigos da noite. Inseparáveis até à última gota.
    Eis o meu western!
Mas espera! Explico. O epílogo. Botas assadas e gastas duma dura noite. Linda! Calcam as ruas ocas produzindo surdos ecos por toda a cidade. Subo o olhar e seguro a minha miúda dum lado fazendo-me recostar no seu doce e desconhecido ombro. A minha eterna amada! Essa mulher! A Noite! 



3 comentários:

Jamil P. disse...

bang-bang!

Zé alberto disse...

Que Deus me perdoe, mas ao ver este par de botas, logo me lembrou duma capa dum disco do Chet, Chet Baker himself, que o mostra sentado num palco, ele melódico-aveludado-terno-romanticizado com umas imensas e lustrosas botas Texanas agrestes, másculas, cowboyescas, rústicas e brutalizadoras.

Beatrix Kiddo disse...

n conhecia esse Chet Baker...vou investigar

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