Pode dizer-se que a fuga terminou, mas também que continuas de viagem em tua casa, pela estrada perdida.
O mundo converteu-se-te, após o teu lento regresso, num país estrangeiro, onde já não existe a necessidade de fugir dele nem tão-pouco a de voltar a casa.
Antes de o mundo se tornar um país estrangeiro, a literatura era uma viagem, uma odisseia. Havia duas odisseias, uma era a clássica, uma epopeia conservadora que ia desde Homero a James Joyce e onde o indivíduo regressava a casa com uma identidade reafirmada, apesar de todas as dificuldades, pela viagem através do mundo e também pelos obstáculos encontrados no caminho: Ulisses, com efeito, regressava a Ítaca, e Leopold Bloom, o personagem de Joyce, também. No seu caso fazia-o numa espécie de viagem circular de repetição elíptica. A outra odisseia era a do homem sem atributos de Musil, que se movia, ao contrário de Ulisses, numa odisseia sem retorno e onde o indivíduo se lançava para diante, sem nunca voltar a casa, avançando e perdendo-se continuamente, trocando a sua identidade em vez de a reafirmar, desagregando-a naquilo que Musil chamava «um delírio de muitos».
Agora vives uma dupla odisseia num país estrangeiro e vais caminhando por uma das suas estradas perdidas ao entardecer, entre a neblina, à procura de Musil. Às vezes vês Emily Dickinson, que foge de algo e vai sussurrando a palavra bruma enquanto passeia o cão. E às vezes não a vês, porque está a coser em casa e é Penélope da epopeia conservadora.
Avanças e perdes-te continuamente e mudas a tua identidade em vez de a reafirmares, e desagregas-te num delírio de muitos pela estrada perdida, na sala da tua casa, entre a bruma, sob a neve, com a televisão ligada mas sem o audio, de maneira que de vez em quando levantas os olhos e distingues uma imagem sem a reter, uma espécie de banda visual contínua, de fundo, como antes a música fazia de fundo sonoro.
O mundo converteu-se-te, após o teu lento regresso, num país estrangeiro, onde já não existe a necessidade de fugir dele nem tão-pouco a de voltar a casa.
Antes de o mundo se tornar um país estrangeiro, a literatura era uma viagem, uma odisseia. Havia duas odisseias, uma era a clássica, uma epopeia conservadora que ia desde Homero a James Joyce e onde o indivíduo regressava a casa com uma identidade reafirmada, apesar de todas as dificuldades, pela viagem através do mundo e também pelos obstáculos encontrados no caminho: Ulisses, com efeito, regressava a Ítaca, e Leopold Bloom, o personagem de Joyce, também. No seu caso fazia-o numa espécie de viagem circular de repetição elíptica. A outra odisseia era a do homem sem atributos de Musil, que se movia, ao contrário de Ulisses, numa odisseia sem retorno e onde o indivíduo se lançava para diante, sem nunca voltar a casa, avançando e perdendo-se continuamente, trocando a sua identidade em vez de a reafirmar, desagregando-a naquilo que Musil chamava «um delírio de muitos».
Agora vives uma dupla odisseia num país estrangeiro e vais caminhando por uma das suas estradas perdidas ao entardecer, entre a neblina, à procura de Musil. Às vezes vês Emily Dickinson, que foge de algo e vai sussurrando a palavra bruma enquanto passeia o cão. E às vezes não a vês, porque está a coser em casa e é Penélope da epopeia conservadora.
Avanças e perdes-te continuamente e mudas a tua identidade em vez de a reafirmares, e desagregas-te num delírio de muitos pela estrada perdida, na sala da tua casa, entre a bruma, sob a neve, com a televisão ligada mas sem o audio, de maneira que de vez em quando levantas os olhos e distingues uma imagem sem a reter, uma espécie de banda visual contínua, de fundo, como antes a música fazia de fundo sonoro.
1 comentário:
Tenho tanta leitura que fazer graças ao teu blog. Vá, o ano ainda agora começou, acho que dou conta de todas.
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